sábado, 19 de maio de 2012

Relações perigosas

Via Jornal da USP
16 May 2012


IMPRENSA

Em História da Imprensa Paulista, o jornalista e escritor Oscar Pilagallo conta como os jornais e revistas paulistas se estabeleceram e cresceram desde o século 19 até os dias atuais – e de como suas relações com o poder sempre foram tensas e complicadas

MARCELLO ROLLEMBERG

Na noite de 20 de novembro de 1830, um sábado, o jornalista e naturalista Líbero Badaró – italiano de nascença, mas brasileiro por opção – chegava à sua casa, numa rua escura de São Paulo, ainda comemorando a repercussão de seus artigos pela capital paulista. Badaró editava o jornal Observador Constitucional, uma publicação liberal que teimava em desancar políticos, magistrados e até a Igreja em seus artigos contra ações que considerava “absolutistas”. Nem o imperador Dom Pedro I escapava de seus ataques. Um dos últimos sucessos que o jornalista – que trocou o nome de batismo Gian Batta para Líbero para deixar bem clara sua ideologia – saboreava era um texto que dava conta da queda do rei francês Carlos X, absolutista até o último fio das meias de seda, que provocou uma passeata liberal pelas ruas de São Paulo para saudar a queda do monarca tirânico do outro lado do Atlântico e servir de alerta para Dom Pedro de que ele poderia ser o próximo. Ao mesmo tempo em que estava satisfeito, Badaró estava também apreensivo. E tinha razão. Naquela noite de sábado, ao chegar em casa, foi cercado por desconhecidos. Um deles fez uma pergunta irrelevante, aparentemente apenas para checar a identidade do alvo. Reconhecimento feito, disparou um tiro no estômago do jornalista, que agonizou por toda a noite e morreu na manhã seguinte.

Essa cena, narrada pelo jornalista Oscar Pilagallo logo nas primeiras páginas de seu recém-lançado História da Imprensa Paulista, dá bem a dimensão do que significa o subtítulo da obra – Jornalismo e poder de D. Pedro I a Dilma – e a intenção de seu autor. Afinal, ao longo das quase 400 páginas do volume, Pilagallo não se ocupa simplesmente em narrar a criação e evolução de uma “imprensa paulista”, passando aí pelas fundações de publicações que se tornariam emblemáticas na sociedade brasileira como um todo, como os jornais O Estado de S. Paulo (originalmente A Província de S. Paulo), Folha de S. Paulo e as revistas Realidade, Veja e IstoÉ. O que o escritor quer mostrar – e consegue com rara habilidade – é a quase sempre intrincada e tensa relação da imprensa com o poder, ora o segundo tentando cooptar a primeira para suas hostes por meio de benesses, ora tentando calá-la com ameaças (veladas ou não), empastelamentos, censuras e estampidos de bombas. Continua