terça-feira, 9 de agosto de 2011

O Dia do Medo Macho

Via Época
Por Eliane Brum
08.08.2011


Os “machões” da Câmara de São Paulo estão precisando de terapia


Quando li nos jornais que a Câmara de Vereadores de São Paulo tinha aprovado um projeto de lei criando o “Dia do Orgulho Hétero”, minha primeira reação foi de indignação. Como cidadã que tem crises de bronquite por causa da poluição da cidade, em que ônibus, carros e caminhões circulam deixando nuvens de fumaça com monóxido de carbono, entre outras porcarias, sem que ninguém pareça fiscalizar. Como cidadã que tropeça nos buracos de calçadas quando anda a pé e já sofreu trancos na coluna quando anda de carro por causa da péssima pavimentação das ruas. Como cidadã que passa horas todo dia num trânsito empacado e é empurrada e machucada em trens e ônibus lotados porque o transporte público é insuficiente e ineficiente e a população que dele depende é tratada como gado. Como cidadã que testemunha a péssima qualidade da educação pública e do atendimento nos postos de saúde. Como cidadã que sofre nos períodos de seca com a qualidade do ar, mas teme a chuva porque ano após ano os mais pobres morrem soterrados ou têm suas casas destruídas por causa do descaso do poder público e de obras adiadas. Como cidadã que vive tudo isso na cidade mais rica de um país que é a sétima economia do mundo, ao ler a notícia minha primeira reação foi de indignação.

Afinal, será que os vereadores que deveriam honrar o voto da população não têm problemas reais para discutir no seu tempo muito bem pago com dinheiro público? Mais ainda ao saber que o autor do projeto, o vereador Carlos Apolinario (DEM) apresentou a proposta em 2005 e só conseguiu aprová-la, em primeira votação, no ano de 2007. Botou de novo a proposta em discussão em junho deste ano e, desde então, segundo a imprensa paulistana, estava emperrando a análise de outros projetos para, como chegou a ser dito, “vencer pelo cansaço”.

Quem é Carlos Apolinario, o homem que está tão preocupado com os gays? Como lembrou Fernando de Barros e Silva, colunista da Folha de S.Paulo, Apolinario é um adepto do troca-troca, pelo menos na política: “Já esteve no PMDB, passou por um tal de PGT, frequentou o PDT e hoje se abriga no DEM”. Mas, pelo empenho demonstrado, parece que aprovar o “Dia do Orgulho Hétero” era uma questão de convicção e de fidelidade para o vereador. E o projeto foi aprovado por 31 de 55 vereadores que só estão lá porque seus eleitores pensaram que fariam um bom trabalho.

Datas como o “Dia do Orgulho Gay” ou o “Dia da Mulher” ou o “Dia da Consciência Negra” fazem parte da luta pelos direitos básicos de parcelas da população que historicamente sofreram – e ainda sofrem – as consequências da discriminação e do preconceito por aquilo que são. Os gays, por exemplo, contra os quais o “Dia do Orgulho Hétero” se opõe, têm sofrido diariamente por séculos e continuam a ter ainda hoje sua vida ameaçada mesmo em cidades como São Paulo, em que os casos de homofobia aparecem com frequência alarmante nas manchetes da imprensa. Dezenas de pessoas são assassinadas por ano no Brasil por causa de sua orientação sexual. E, em julho, um homem teve parte de sua orelha decepada no interior de São Paulo ao abraçar seu filho porque foram “confundidos” com um casal homossexual – como se isso justificasse a violência. Continua