quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A globalização do protesto

Via Estadão/Aliás
Por Carolina Rossetti
13.08.2011

Para socióloga, os levantes que vêm pipocando pelo mundo nascem sob a lógica universal da exclusão


Entrevista: Saskia Sassen

SOCIÓLOGA DA UNIVERSIDADE COLÚMBIA, AUTORA DE 'SOCIOLOGIA DA GLOBALIZAÇÃO'

Londres pôs 16 mil policiais nas ruas para tentar conter o incêndio de carros e prédios que vinha consumindo a cidade desde o começo da semana, depois da morte de um jovem negro nas mãos da polícia. No mesmo dia em que a face pobre da Grã-Bretanha saiu dos guetos para dar a cara a tapa, 200 mil manifestantes cobriram as ruas de Tel-Aviv a fim de exigir aluguéis mais baixos e escolas gratuitas para seus filhos. "Isto é o Egito", cantaram os israelenses, ecoando a já emblemática Praça Tahrir, no Cairo. Na terça-feira, e pela segunda vez na semana, cerca de 100 mil estudantes chilenos foram bater panela nas calles de Santiago, dessa vez ao lado dos pais, para exigir reformas na educação.

Com um olhar atento sobre todos esses fenômenos, Saskia Sassen, socióloga holandesa naturalizada americana e uma das principais teóricas da globalização, revê a numeralha da semana e dá seu parecer: "Chegamos a um tipping point". O que ela quer dizer com isso é que o mundo alcançou um ponto crítico, decisivo. E sugere que todos os eventos descritos acima estão de alguma maneira relacionados à lógica excludente da globalização. É possível ainda somar a eles a contagem semanal de manifestantes mortos nas ruas árabes e os 12 milhões de pessoas que sofrem de fome crônica no Chifre da África. "Ao longo de 30 anos houve perda de renda de metade da população mundial e tamanha concentração no topo que simplesmente chegamos ao limite. É a explosão disso que estamos vendo agora nas nossas cidades."

Saskia dá aula na Universidade Colúmbia, em Nova York, e é autora de Sociologia da Globalização (Artmed) e Global City (Princeton University Press), entre outros. Nesta entrevista ao Aliás, a socióloga põe em perspectiva a miríade de protestos que pipocou só neste ano; e explica por que os americanos, que perderam suas casas com a crise e hoje moram em tendas, também não se revoltam. "A classe média americana está em choque." Por fim, Saskia acrescenta que é preciso abandonar velhos paradigmas e atentar para o fato de que nos últimos anos o mundo testemunhou o nascimento de uma nova classe de atores históricos, e eles tomaram as ruas.

Um aspecto comum às manifestações é a presença marcante de jovens rostos insatisfeitos. Que novas narrativas da globalização essa geração ‘desobediente’ está escrevendo nas ruas de Londres, Damasco, Cairo, Atenas, Benghazi, Madri, Tel-Aviv, Santiago?

É mesmo impressionante a quantidade de manifestações de rua. A economia roubou desses jovens um futuro razoável e o sistema político roubou-lhes a voz política, a capacidade de serem ouvidos. A rua se tornou, portanto, o espaço para a política daqueles que não têm acesso aos instrumentos formais. O fio condutor que, a meu ver, une todas essas manifestações é uma estrutura de luta social. Quero dizer com isso que esses levantes não são só políticos, nem visam apenas a mudanças de regime, como um cientista político poderia sugerir.

Em Tel-Aviv, as pessoas arrastaram sofás para o meio-fio a fim de protestar. No Cairo e em Madri, acamparam nas praças. Em Atenas, vandalizaram a infraestrutura da cidade e em Londres a queimaram. O que está por trás dessas intervenções no cenário urbano?

Em certa medida, os manifestantes fazem parte do contexto de lutas contra a especulação imobiliária dos anos 80, que resultaram na expulsão dos moradores tradicionais de áreas da cidade. Em um plano mais amplo, são lutas pelo direito à cidade. Manifestações de rua fazem parte de nossa história. Os levantes no mundo árabe, as revoltas em bairros da China, os piqueteiros batendo panelas na América Latina - são todos veículos de reivindicação social e política. Pela primeira vez estão marchando em Tel-Aviv, não para derrubar o governo, mas para pedir acesso a moradia, emprego. Esses movimentos buscam participação no poder, não só protestar contra ele.

As manifestações parecem distanciadas da política partidária tradicional. Elas se concretizam nas ruas, com líderes surgidos no Facebook. É o próprio establishment político que está sendo questionado?

Há um limite para o tanto de renovação que o establishment político pode fazer. Mas um objetivo fundamental deve ser garantir que os menos favorecidos se sintam ouvidos. Sem voz política, os instrumentos de comunicação de que dispõem podem facilmente levar ao tumulto. Vivemos numa situação de extremos. Temos uma vasta fome em partes do mundo, ao passo que temos também jovens com educação que não estão aceitando o fato de que terão uma vida pior que a dos pais. Isso me faz crer que chegamos a um tipping point, um momento de mudança. Continua